Um dia, ao acordar ele percebeu que não conseguia mais sorrir. Chegou a tentar e apesar de achar engraçado mantinha a mesma feição dura. Não que isso incomodava muito. Já havia anos que não sorria bobamente. Pensando melhor, era até bom. Tinha que manter a seriedade constante. Crescia na empresa. Não era mais o universitário boêmio que contava anedotas no bar. Achou que isso o tornava de vez um ser maduro e isso o satisfez.
Anos depois, acordou e assim como no dia que perdera o sorriso, percebeu que alguma coisa não mais o acompanhava. Perdeu a habilidade de amar. Com ela, todos seus anexos como sentir remorso, carinho e afeto desaparecem de seu peito aliviando assim aquele jovem gerente de uma multinacional. Era fato que só podia ser um bom aviso. Assumia agora um cargo de liderança respeitável. Por ainda ter cabelos pretos e rosto jovial tinha que provar sua mão de ferro. Sentia necessidade de ser grosso pra alcançar metas e não podia deixar de exercitar berros a pelo menos 5 funcionários diariamente. Não precisando mais se preocupar com aspectos menores como o amor, pode se concentrar com mais competência na tarefa de ser mal sem precisar fingir. E isso o satisfazia.
Passaram anos. Veio o casamento: por conveniência. Filhos: O primeiro pra fazer companhia à solitária da mãe e a outra, um erro na tabelinha. Depois veio a morte do pai e ele não pode ir ao enterro. A secretária, chocada, mandou flores brancas para a viúva com o dinheiro da empresa. Foi demitida um mês depois para não levantar suspeitas. Depois o divórcio. Mas realmente a mulher não tinha mais tantas serventias. Idosa e caída, só aumentava os custos dos remédios.
Anos depois, ceia de natal. Ele jantando com os filhos; a mãe e o novo namorado e a empregada que suplicara por um teto na noite de natal. Foi bom ela ter ficado: alguém precisava limpar a bagunça depois. Alguns minutos antes, ele falara com a mais nova amante: a esposa do dono da empresa concorrente. Muitas informações sigilosas roubadas e declínio do corno o satisfaziam. Meia noite e tudo corre como devia ser: Ele se ergue e até sorriria se fosse capaz. – Bom natal para vocês!! Puro clichê e tradicionalismo. A família acredita que ele realmente está falando de coração. Mas não. É um ator. Interpreta tão bem que parece real. Faz votos de boas festas com um ar sereno e solidário. Consegue falar no mesmo tom que eu emprego. No mesmo tom que você emprega. Mas é da boca pra fora.
Ele acha engraçado como nos engana. Ele até gargalharia se pudesse.
5 comentários:
Pois é... parece um texto duro e frio, mas o pior é saber que esse tipo de pessoa existe na nossa sociedade.
Ah, como o mundo seria bem melhor se os adultos nunca perdessem a capacidade de sorrir como crianças, sem nenhuma vergonha, sem nenhum pudor, sem nenhum motivo... Sorrir apenas por que isso faz bem para a alma!
Beijos, amigo!
Aonde ficaram as perspectivas de vida deste homem?
Tornou-se enfim tão alienado pela sociedade capitalista?
Rezo para que todos não sigam este exemplo...e não tenham este mesmo fim...Não é?
Espero nunca me tornar esse homem, espero que você nunca se torne esse homem e que todos os outros também.
Minhas preces, esse ano serão em pró do sorriso bobo, do sorriso sem compromisso, daquele bem natural que você dá devido a pequenas coisas.
Espero que esse homem tenha salvação. Nunca é tarde para reaprender a amar e a sorrir.
Concordo com a Paty. Melhor seria se todos nós conseguissemos sorrir, apenas por sorrir. É tão simples, e tão bonito.
É sempre bom lembra-se das coisas valiosas da vida, que vão além do dinheiro, para não acontecer o mesmo conosco.
Um feliz 2008 pra você, com muitas realizações, felicidade, sucesso e .. sorrisos.
Grande beijo.
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